Tarifa de ônibus deve ser definida sem populismo (Editorial)
30/10/2024
Finda a eleição, prefeito de São Paulo já se vê pressionado com possível reajuste da passagem, congelada artificialmente desde 2020; cálculo deve prever sustentabilidade do sistema à luz do equilíbrio fiscal
Bastaram apenas algumas horas para que a realidade começasse a sobrepujar a empolgação com a vitória de domingo (27). Despido do figurino de candidato, o prefeito reeleito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), teve de lidar já no dia seguinte com um tema espinhoso para qualquer gestor municipal: o valor da tarifa de ônibus.
Questionado pela imprensa, Nunes não descartou eventual reajuste na passagem a partir do ano que vem. "Em dezembro, havendo possibilidade, a minha vontade é manter. Se por acaso a gente não tiver possibilidade, aí eu vou explicar para a sociedade." Trata-se de uma explicação que envolve bilhões de reais. Com a tarifa artificialmente mantida em R$ 4,40 desde janeiro de 2020, o subsídio repassado às empresas de ônibus para mantê-la assim vem aumentando nos últimos anos e deve consumir só em 2024 R$ 6,5 bilhões -quase metade do orçamento do transporte.
Executada a fórceps, a manobra é pouco justificável quando se observa que trens e metrôs, cujos modais são de responsabilidade estadual e complementares aos coletivos por meio das integrações, reajustaram as tarifas de R$4,40 para R$5 em janeiro.
Não há mágica nas finanças públicas: se fosse aplicada a inflação dos últimos quase quatro anos, a tarifa deveria custar hoje em torno de R$ 5,77 (31,2% a mais).
Logo, o aparente alívio no bolso dos passageiros nesse período impôs gastos fabulosos ao contribuinte paulistano. A prefeitu ra também poderia ter investido esses bilhões em outras áreas essenciais, como a ampliação da rede de saúde e do programa de moradias, promessas de Nunes.
A cautela do prefeito ao protelar ao máximo a decisão é, em parte, compreensível. Na capital, trata-se de tema sensibilíssimo desde junho de 2013, quando um aventado aumento de R$ 0,20 nos transportes impulsionou uma onda de protestos que depois se alastrou por todo o país.
Nunes afirma que a pressão inflacionária, de modo geral, e o preço do diesel serão determinantes para projetar o valor da passagem. O avanço inaudito das gratuidades, contudo, também deve ser posto na balança.
Em dezembro de 2023, o prefeito implementou a tarifa zero aos domingos, o que deverápro-vocar uma renúncia de receita de R$ 240 milhões ao ano.
Outra promessa de campanha é o "Mamãe Tarifa Zero", programa que concede isenção a cerca de 150 mil mulheres que têm filhos nas creches municipais. Se de fato levado adiante, terá impacto considerável na conta final.
As gratuidades são políticas públicas legítimas, mas devem estar restritas aos estratos mais vulneráveis da população e alinhadas à sustentabilidade do sistema.
Com um Orçamento recorde de R$ 123 bilhões para o ano que vem, quase 10% maior que o de 2024, cabe ao prefeito estabelecer prioridades à luz do equilíbrio fiscal, sem malabarismos populistas nem postergações ao sabor de conveniências eleitorais.