2024: O que esperar para a Mobilidade?

02/01/2024

Fonte: Diário do Transporte

Eleições municipais, novo marco regulatório do transporte urbano e metropolitano, mudança nas regras dos rodoviários, Tarifa Zero, eletrificação, Euro 6, Caminho da Escola: o setor de transportes vai avançar ou tudo vai continuar no blá-blá-blá?

A depender dos discursos, muita coisa está para acontecer para melhorar a mobilidade de milhões de brasileiros em 2024.

A questão é se, como nos anos anteriores, tudo vai ou não continuar no discurso.

Diário do Transporte, neste artigo de 1º de janeiro de 2024, separou alguns temas:

MARCO REGULATÓRIO DO URBANO:

Começando pelo tal “marco regulatório” do transporte público.

Depois de anos de debates sobre como financiar os transportes nas cidades e regiões metropolitanas e como fazer com que a União participe mais do ir e vir das pessoas, melhorando os serviços e barateando as tarifas para os passageiros, propostas ganharam forma. Mas só ficaram nas propostas mesmo até agora.

A votação do marco regulatório da mobilidade, que criaria uma espécie de SUS da Mobilidade, com financiamento federal, estava esperada para 2023. Não aconteceu.

O mantra é o mesmo: já não dá mais para conceber o atual estado em que as tarifas são altas para os passageiros, mas insuficientes para bancar os serviços. Também não dá para que os subsídios continuem sendo do jeito que estão: bancando a ineficiência e se resumindo em injeções bilionárias de recursos que só servem para enxugar gelo e não melhoram a vida das pessoas.

As ideias são boas, mas empacam e nada de concreto ainda.

ELEIÇÕES MUNICIPAIS:

Outro ponto que o setor de mobilidade está de olho em 2024 são as eleições municipais.

Será que aparecerão gestores públicos de verdade que com criatividade e inovação vão trazer melhorias no ir e vir das pessoas ou tudo vai continuar como antes?

Para ser justo, claro que não dá para esperar tudo dos prefeitos.

As cidades, em sua maioria, têm recursos escassos e os contratos de transportes precisam seguir leis federais arcaicas que impedem inovações. Mas também não dá para usar isso como muleta.

Os gestores municipais, sim, dentro da lei e de seus recursos limitados, podem fazer uma coordenação inteligente dos transportes.

E as soluções, muitas vezes, estão nas medidas simples, como faixas de ônibus, proibições de estacionamentos em vias de transportes, reformulação das linhas de acordo com as necessidades dos passageiros.

Sim, o transporte sob demanda não precisa ser um carro de aplicativo: o ônibus, o trem e o metrô devem atender às necessidades das pessoas que em 2024 não serão as mesmas das que eram nos anos 1990, no início de 2000 e, quem sabe, de 2023 até.

Tudo muda e muito rápido. O transporte coletivo não está respondendo à altura estas mudanças.

Que as companhas de prefeitos para a área de mobilidade não se restrinjam a entregas de ônibus novos que as empresas tinham de comprar de qualquer jeito e ninguém está fazendo um favor para ninguém.

TARIFA ZERO:

Ainda no debate do transporte urbano e metropolitano, ganhou força a Tarifa Zero.

Se há anos, o tema era papo de esquerdista, de estudante que ia queimar catracas no centro, depois do trauma de perda de demanda de passageiros por causa da pandemia de covid-19, o assunto ganhou mais força.

Em 17 de dezembro de 2023, a cidade de São Paulo, o maior sistema de ônibus da América Latina, adotou a Tarifa Zero aos Domingos.

Cidades menores, mas inseridas em regiões metropolitanas importantes, como São Caetano do Sul, no ABC Paulista, foram além e passaram a conceder gratuidade tarifária para todos os passageiros, em todos os ônibus municipais, todos os dias. A passagem grátis em São Caetano do Sul começou em 1º de novembro de 2023.

Tudo tem um custo e é alto.

A questão principal é saber se vale a pena: mais pessoas inseridas no transporte coletivo, gente deixando o carro em casa, o que melhora o trânsito e reduz a poluição, isso vai acontecer mesmo?

Melhorará o acesso ao lazer, saúde e educação que, com a gratuidade tarifária?

Tudo isso, vai se sustentar? E como?

O fato é: se antes torciam o nariz para o tema, hoje tem muitos empresários de ônibus, em especial os que operam em cidades menores, que enxergam na Tarifa Zero, a tábua de salvação para seus negócios.

Tarifa Zero tem de ser encarada como política de inclusão social, não só de mobilidade, para obtenção de seu custeio.

O que não pode é ser feita no afogadilho eleitoral que não só não vai se sustentar futuramente como pode virar um problema maior que o atual: as prefeituras, sem aguentar, a dar calote nas empresas operadoras que abandonarão os serviços.

Não é porque a prima rica São Paulo fez que todo mundo tem de fazer igual.

E quem disse que a Tarifa precisa ser Zero?

Se a cidade ou Estado não conseguir recurso para zerar a tarifa, mas conseguir alguma coisa para baratear, por que não fazer?

E mais: reduzir custo de transportes não vem só pelos subsídios: reformular (e não só cortar) linhas, investir em prioridade ao ônibus no trânsito, criar serviços mais atrativos, tudo é forma de atrair recursos e diminuir gastos.

ELETRIFICAÇÃO DA FROTA DE ÔNIBUS:

Outro tema que virou obsessão é a eletrificação das frotas de ônibus.

Realmente, não dá para ficar dependendo só de uma fonte para movimentar o transporte sobre pneus, hoje refém do diesel. Mas também não adianta trocar a dependência exclusiva de uma fonte de energia por outra.

São várias as soluções tecnológicas que podem ser usadas em conjunto: ônibus elétricos são maravilhosos. Quem andou em um sabe: são silenciosos, trepidam menos, não poluem por onde andam (mas tem a questão da geração de energia e da produção e descarte das baterias).

Além dos ônibus elétricos à bateria, há os trólebus que se modernizaram e hoje podem também circular por um trecho sem estarem ligados aos fios (E-Trol), há os modelos a biodiesel, o GNV/biometano, etanol e a própria tecnologia Euro 6 obrigatória desde janeiro de 2023 nos motores a diesel que reduz, em média, em 75% as emissões de poluição.

O ideal seria usar todas estas soluções e aplicar onde são mais adequadas numa mesma cidade, inclusive.

O que tem ocorrido são ações precipitadas que têm gerado custos e poucos avanços.

Desde 17 de outubro de 2022, as empresas de ônibus da cidade de São Paulo não podem comprar mais ônibus a diesel, com exceção dos micros.

Mas até agora, nenhuma garagem recebeu as obras necessárias para a infraestrutura de recarga dos ônibus elétricos.

Estudos da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos) mostram que, sem a criação de subestações e repotencialização das redes de distribuição, se 50 ônibus elétricos ou mais carregarem ao mesmo tempo (inclusive na madrugada) pode cair a energia de bairros inteiros, deixando os moradores às escuras e tomando banho gelado.

Ao mesmo tempo em que São Paulo tem recebido dezenas de ônibus elétricos que não podem rodar por falta de infraestrutura, a frota a diesel está envelhecendo e não tem sido possível repor estes ônibus por causa da obrigatoriedade dos elétricos.

Além disso, o básico, que é a prioridade ao transporte público no espaço urbano, ainda não avançou nas cidades em geral como deveria, com mais redes de corredores de ônibus, BRTs (corredores de mais capacidade), trens e metrô.

As cidades, desse jeito, em vez de terem ônibus a diesel presos nos congestionamentos, terão ônibus elétricos presos nos congestionamentos.

Será a mesma imobilidade, a mesma perda de tempo, os mesmos desperdícios de recursos, mas sem soltar fumaça.

REGRAS DOS RODOVIÁRIOS:

Enquanto muitos já estavam fazendo os votos de Natal e comparando o peru, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), em 21 de dezembro de 2023, aprovava as novas regras do setor de ônibus interestaduais.

Trata-se de um novo marco regulatório que mexe, por ano, com a vida de 100 milhões de passageiros.

A briga é grande porque o mercado é bilionário.

A questão principal é a restrição da concorrência e, nestes aspectos, o novo marco regulatório tem pontos positivos e negativos.

Ao criar as mesmas condições para mercados com bastante oferta e para mercados com menos linhas, a ANTT dificulta sim a entrada principalmente de empresas menores na concorrência, o que poderia resultar em mais qualidade e menores preços.

Porém, a ANTT também evita que seja criada uma farra de concorrência predatória, degradando o mercado pelo inchaço de oferta em linhas de alta demanda e esvaziando ligações pouco atrativas.

As empresas grandes gostaram das novas regras. As empresas menores regulares já veem como um entrave à expansão de seus negócios.

Existem também os aplicativos de ônibus. Estes não transportam gratuidades previstas em lei (como idosos, pessoas com deficiência, jovens de baixa renda), não atendem em rodoviárias, não fazem a viagem se o ônibus não tiver a lotação mínima que querem para lucrar e não seguem as demais regras do mercado regular. Mas, mesmo assim, quiseram palpitar, e se mostraram contrários às novas regras.

EURO 6 e CAMINHO DA ESCOLA:

A indústria de ônibus está com expectativas especiais sobre o ano de 2024.

Em janeiro de 2023, entrou em vigor a obrigatoriedade da tecnologia Euro 6 para motores a diesel.

Esta tecnologia deixa ônibus e caminhões, em média, 75% menos poluentes. Mas deixou os veículos em torno de 30% mais caros.

Muitos frotistas, ainda em 2022, anteciparam as renovações e aproveitaram a últimas unidades do padrão Euro 5, que eram 30% mais baratas.

Isso causou uma queda de produção de caminhões e ônibus em 2023, porém, a perda foi menor do que muitos no setor esperavam.

A questão é se em 2024, os níveis de produção e vendas vão se recuperar como o desejado e em que ritmo?

Haverá novos programas de renovação de frota, como o instituído na Medida Provisória 1175/2023, pelo Governo Federal, para estimular a indústria automotiva?

A MP perdeu já o vigor.

Se para carros foi um sucesso, o mesmo não pode ser dito para caminhões e ônibus, cujas renovações ocorreram depois de mudanças de regras (com empresários maiores podendo comprar os veículos velhos dos menores) e de um certo show de pirotecnia do Governo Federal ao apresentar compras pontuais em fábricas.

A indústria não quer mais MPs e aguarda um programa permanente de incentivo à renovação de frota de ônibus e caminhões e caminhões.

Outro ponto que gera expectativa da indústria de veículos pesados são os efeitos do Programa Caminho da Escola.

Como mostrou em primeira mão o Diário do Transporte, em outubro de 2023, o Governo Federal divulgou o resultado da licitação engloba a habilitação para fornecimento de 16,3 mil ônibus escolares.

O ciclo para possíveis encomendas irá até 2025.

Basta saber se as prefeituras e Governos de Estado vão aderir e em que ritmo, mas foi a maior licitação do Caminho da Escola desde quando o programa foi criado em 2007.

É uma das esperanças para facilitar o acesso de crianças à escola em áreas de tráfego difícil (os ônibus possuem adaptações para vias de terra e até corredeiras) e também para a indústria manter seu lucro e nível de emprego.

Diário do Transporte vai acompanhar neste ano que se inicia estes assuntos e muito mais.

Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes